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RPG: Explorando Universos de Fantasia Através de Dados, Livros e Bits
Imagine, Jogue, Divirta-se: A Magia do Role-Play

Mas o que diabos significa RPG?
RPG, ou Role-Playing Game, é um gênero amplo que pode se encaixar em uma vasta gama de jogos onde, em seu cerne, os jogadores assumem o papel de personagens, geralmente em um mundo de fantasia ou ficção e devem conduzir essas personagens através de uma série de desafios, aventuras e narrativas.
É muito estranho explicar para alguém que nunca jogou RPG de mesa, como é a experiência de se sentar com um grupo de amigos, idealizar um mundo da imaginação, e interpretar um personagem, com histórias e personalidade próprias. Explicar desse jeito faz parecer uma atividade meio boba, e talvez seja mesmo. É apenas um grupo de pessoas fingindo ser quem não são e lutando contra monstros imaginários enquanto rolam dados... Mas se você conseguir superar o desconforto inicial, superar o medo adulto de se deixar ser mais criança, um mundo inteiro se abre diante dos seus olhos, isso pode gerar ótimas histórias para contar, mesmo que elas sejam apenas imaginadas.

Para quem nunca jogou, de forma bem resumida, um RPG de mesa é composto por um narrador, também chamado de mestre, e os jogadores. O narrador conta a história para os jogadores, que devem decidir como agir em determinada situação. Por exemplo: chegando em uma cidade o narrador fala que na praça alguns cidadãos estão agitados, discutindo sobre um acontecimento recente. Os jogadores podem querer saber o que está acontecendo, se envolverem na trama e assim dar continuidade ao que o narrador havia planejado, mas antes disso talvez eles queiram conversar com as pessoas na praça para entender melhor o que está acontecendo, podem querer roubar os bolsos dos desavisados enquanto o bardo toca uma música, ou quem sabe eles queiram jogar um coquetel molotov no meio da praça simplesmente porque sim, não existe um limite claro para a imaginação. Essa é a graça, e o narrador que se vire improvisando.
O conjunto de regras que guia os jogadores em uma mesa de RPG é chamado de sistema, dentre os mais famosos estão alguns nomes que talvez você reconheça: Dungeons & Dragons (Sim o mesmo do desenho da Tv Globinho), Tormenta (Um sistema Brasileiro de RPG), Call of Cthulhu (Um RPG baseado nos contos de H.P Lovecraft), dentre outros. Pra falar a verdade, os RPG’s fazem muito mais parte do imaginário comum e da cultura pop do que se pensa.
Apesar de ser um grande fã das histórias e jogos que rodeiam a mística dos RPG’s, ainda me considero leigo no assunto, por esse motivo, fui atras de um especialista! Lucas Marquioli. Um exímio jogador de RPG de mesa, com 24 anos de idade, Lucas, morador de Linhares - ES, já foi o herói de terras distantes, um meio Orc guerreiro com 18 de carisma, um gnomo ladrão com dupla personalidade e mais recentemente, mestre de sua própria aventura.
Desde pequeno Luke (Apelido de infância) sempre foi uma criança muito criativa e inventiva, fascinado com o filme: Senhor dos Aneis, fantasiava em participar da aventura ao lado de Frodo e seus amigos, queria viver e presenciar aquela jornada, tinha o mesmo pensamento corriqueiro que já deve ter invadido a sua mente após ler ou assistir uma boa história “o que eu faria de diferente se fosse o protagonista”. Só na sua adolescência, Luke, foi introduzido ao universo dos jogos de RPG por um amigo com quem jogava Yu-Gi-Oh, esse amigo estava procurando pessoas para participar de uma campanha que ele iria mestrar. Coincidentemente essa campanha se passava no futuro do universo de Senhor dos Anéis, maravilhado, Luke percebeu que poderia, enfim, dar vasão a toda criatividade acumulada.
“Cara, eu tava fascinado, perceber que eu podia participar, interagir, vivenciar e interpretar aquelas aventuras, sabe!? Eu quero viver isso! Quero ser igual aos heróis de desenho, filmes e animes que eu acompanho desde pequeno.”
Luke explica que seu amor pelo RPG vem da liberdade que o jogo trás, ele é um personagem em uma história, não só está presente, como interage, cria e vive as emoções de tudo aquilo na pele do seu personagem. “As pessoas as vezes se prendem a ideia de que elas precisam seguir “o caminho” que o mestre pensou para a aventura, mas não, você pode criar, adicionar e mudar todo o rumo da história, a graça do RPG é ver como os jogadores vão escrevendo a história enquanto jogam” Explicou Luke. Não se trata de seguir um caminho, jornada ou destino, mas sim, de construir a sua própria história. O que diferencia o RPG de todos os outros gêneros de jogos é a pluralidade de caminhos que podem ser trilhados na sua jornada. Aquela que você escolheu trilhar, tomou as suas decisões e fez as coisas do seu jeito, literalmente um jogo sobre liberdade. Claro que as coisas não giram em torno de você, há muito mais do que isso, mas você tem a liberdade para tomar as rédeas do que chamamos de destino, algo que só você, ou no caso, o seu personagem controla.

Gosto de pensar que tudo é possível, desde que seja divertido. Não se trata de vencer ou perder, mas de ver até onde você pode ir. Quando se embarca em uma aventura, uma campanha de RPG, estamos entrando na história do mestre da mesa, aquele que planejou tudo, criou o mundo, os personagens com quem você interage na história, os inimigos e dificuldades que se contrapõe pela jornada. Pedi para que Luke explicasse um pouco sobre o que é mestrar e ele me disse:
“Quando alguém está fazendo o papel de mestre, a pessoa está ali para divertir e entreter todo mundo. Ter um mestre experiente em uma mesa faz toda a diferença. O mestre precisa entender quem está jogando com ele, precisa criar um ambiente justo e divertido pra todo mundo. As pessoas esperam que o mestre traga a aventura, quando ele consegue entender quem são as pessoas que estão jogando, como guiar os jogadores pelo caminho que pensou sem interferir nas escolhas deles, ai que as coisas ficam divertidas. Um mestre que coloca carinho e emoção dentro da sua narrativa, faz com que se transforme em um filme, um filme onde todo mundo participa e ajuda a criar a história. Tem horas que os jogadores ficam ali pensando, e se tivessem feito isso ou aquilo diferente, como seria!? O que o mestre planejou pra isso? É muito divertido imaginar que se não fosse aquela pessoa interferindo daquela forma, a aventura poderia ser totalmente diferente. Cada campanha é uma experiência realmente única.”
De forma técnica o RPG de mesa se baseia completamente nas interações e conversas entre os participantes, que decidem coletivamente os rumos da história. O mestre cria o ambiente e os gatilhos que farão os jogadores entrarem na sua narrativa. Porém ele não sabe e não decide o que cada jogador fará, não há tabuleiro, peças ou computador, apenas lápis, papel e imaginação. Personagens e cenários são criados verbalmente e as ações determinam o que acontece depois. Alguns dados são usados para introduzir elementos aleatórios e determinar o sucesso ou fracasso daquilo que você pratica.
É um jogo imersivo que permite viver aventuras épicas e interpretar personagens interessantes em mundos fantásticos. Promove criatividade, interpretação, trabalho em equipe e pensamento crítico.
Se você se sentiu instigado a saber mais e curioso sobre como jogar!? Vou deixar aqui o link para o livro do jogador de D&D, um dos sistemas de RPG mais famosos e antigos que existem, nesse livro tem todo o conhecimento que você precisa para jogar e criar suas próprias aventuras, nele você vai aprender melhor sobre as regras do jogo, seus recursos, classes e raças. Não precisa ler tudo, nem seguir todas as regras a risca, lembre que o principal em um RPG é “se divertir”!
Porém, quanto mais você souber sobre o sistema em que está jogando, mais possibilidades se revelam dentro daquilo que você pode fazer enquanto mestre ou jogador.
Da imaginação para as telas
Os jogos de RPG para computador surgiram a partir dos jogos de interpretação de personagens de mesa, como Dungeons & Dragons, que se popularizaram na década de 1970. Nesses jogos, um mestre criava uma aventura e os jogadores interpretavam personagens, criando suas histórias por meio de escolhas e rolagens de dados.
No final da década de 1970 e início dos anos 1980, programadores começaram a criar versões eletrônicas desses jogos para computadores. Eram jogos muito limitados, visto que os computadores da época mau podiam renderizar imagens na tela, no começo, tudo era feito com letras, símbolos e números. Um dos primeiros jogos foi Akalabeth: World of Doom, lançado em 1979 e criado por Richard Garriott. Em 1981, Garriott lançou o revolucionário Ultima I, que estabelecia padrões para o gênero de RPG eletrônico. Os computadores da época eram bem limitados e restritos, na verdade os computadores onde foram produzidos os primeiros RPG’s se chamavam Platô e eram disponibilizados em universidades e faculdades nos Estados Unidos. Robustos para época, tinham uma interface baseada em texto na coloração laranja. Os alunos eram capazes de programar jogos simples com gráficos em ASCII (Desenhos feitos com letras e símbolos).
![]() Computador Platô | ![]() Ultima 1: Gameplay |
Em 1986, a Nintendo lançou The Legend of Zelda para o NES, mesclando elementos de RPG e ação. O jogo não era exatamente um RPG, mas bebia muito da formula dos clássicos. Já no ano seguinte, a Square Enix lançou o RPG Final Fantasy também para NES, que se tornaria uma das maiores franquias do gênero. Final Fantasy estabeleceu novos patamares para os RPGs eletrônicos, com sua narrativa épica e personagens carismáticos. Seu modo de combate por turnos e história cativante faziam ganhar destaque dentre os títulos da época.
![]() The Legend of Papagaio Vesgo | ![]() Final Parrot XV |
Nos anos 1990, a popularidade dos RPGs cresceu com títulos como Chrono Trigger, Pokémon, Final Fantasy VII e The Elder Scrolls. Nos anos 2000, o gênero se diversificou ainda mais, abrangendo MMORPGs como World of Warcraft e RPGs de ação como a série Dark Souls.
Até hoje, o legado dos RPGs de mesa continua evidente nos RPGs eletrônicos, com suas mecânicas de experiência, inventário, classes de personagem e foco em narrativa. O gênero segue popular e inovando décadas após seu surgimento.
Vamos falar de Baldur’s Gate III
Já parou pra pensar sobre o que torna o gênero de RPG tão especial? Para mim, são as possibilidades infinitas, misturadas com o improviso e o entrosamento de todos na mesa é que fazem os RPGs tão especiais. É o que acaba gerando histórias que você vai se pegar contando para outras pessoas muitos anos após aquela aventura ter acabado.
É tipo uma coceirinha, sabe? Alguma coisa acontece com o nosso cérebro quando interagimos da forma que interagimos em um RPG de mesa que transmite sentimentos de nostalgia e saudade, quase como se as histórias que vivemos no mundo da imaginação fossem reais. Eu, pessoalmente nuca vou esquecer da minha primeira campanha, dos amigos que jogaram comigo ou do meu personagem, um pequeno halfling (Uma raça parecida com humano, mas que não passa de 1,2m de altura) que explodiu durante um confronto por ser maldiçoado e não conseguir cagar, sim, isso mesmo que você leu, após a idiota decisão de roubar uma bruxa antiga das cavernas meu personagem foi amaldiçoado “Você que na minha casa adentrais, nunca mais cagarais” - disse a bruxa enfeitiçando o pobre Halfling que sentiu seu c# fechando, dessa vez, não só pelo medo que sentirá, mas selado por magia. Eu pessoalmente acho que videogames nunca vão conseguir emular essa sensação da mesma forma que RPGs de mesa conseguem, é algo interno, inerente da criatividade e da interação humana, direta e pessoal que faz desse jogo meio bobo ser tão especial.

No ano de 2023 chegamos no que muitos fãs do gênero classificam como o auge da experiência em um jogo eletrônico que tenta emular a sensação de se jogar um RPG de mesa clássico. Nesse ano é lançado pela Larian Studios o aclamado Baldur’s Gate III. Baldur’s Gate já é uma franquia consolidada no ramo dos jogos de RPG, com a chegada do terceiro titulo da franquia principal de Baldur’s Gate, também se cria um novo patamar na indústria de jogos desse gênero. Talvez seja cedo para garantir, mas não vejo outro jogo se não ele a ser o jogo do ano deste ano.
É o novo grande RPG inspirado em aventuras de RPGs de mesa, até mais do que isso, Baldur’s Gate 3 usa os exatos mesmos sistemas de D&D, mais especificamente da quinta edição, para conduzir suas mecânicas. D&D que hoje pode ser considerado o sistema de RPG de mesa mais famoso do mundo, graças a uma explosão de criadores jogando em live, como Critical Role, que se tornaram tão grandes que as aventuras do time de dubladores foram transformadas em animação, chamada Vox Machina na amazon prime, recomendo muito! E até Stranger Things ajudou nessa popularidade.
O fato é que RPG de mesa nunca esteve tão em alta, e talvez isso explique o sucesso absoluto de Baldur’s Gate 3, atingindo quase 900 mil jogadores simultâneos na Steam e vendendo mais de 5 milhões de cópias na semana de seu lançamento.
Mas eu acho que não só a popularidade de D&D explica o sucesso de Baldur’s Gate 3, até mais do que isso, o que explica o sucesso do jogo é a sua qualidade e a sua capacidade de chegar tão próximo de sanar aquela coceirinha dos RPGs de mesa que mencionei antes. O jogo conta com pelo menos 120h de conteúdo na campanha principal, sem falar em side-quests. Obviamente não consegui terminar o jogo ainda, então, para falar melhor sobre tudo que abrange esse titulo, quero apresentar duas pessoas especiais Carlos Eduardo e Junior Formigoni, (Respectivamente, Decade e Junin) esses dois desocupados enfrentaram as aventuras da cidade de Baldur’s Gate e zeraram o jogo juntos. (mais de uma vez)
Antes de falar da jornada desses dois, vamos falar um pouco sobre a história do jogo. Baldur’s Gate 3 começa com você e mais algumas pessoas sendo capturadas por Mindflayers (Devoradores de mentes), e tendo um verme colocado na sua cabeça através do globo ocular. Mas um ataque de um grupo de montadores de dragões permite que você e seu grupo fujam. Agora livres, mas com uma larva morando na sua cabeça, você e os outros sobreviventes decidem se unir para buscar uma cura. Essa é a premissa básica para justificar o porquê de um grupo tão distinto de pessoas se unir, e ela funciona muito bem.
Você pode viajar pelo mundo com 3 companheiros que compõem seu grupo, e 1 personagem principal, que pode ser criado do zero por você, como o meu anão guerreiro barrigudo com -1 em inteligência e 17 de força, ou pode ser um dos personagens de origem, pré-definidos pelos desenvolvedores, com histórias próprias. Cada um desses personagens tem um desenvolvimento diferente na história, mas vou deixar para abordar isso em um próximo texto.
Conversando com o Decaded e o junin pude destacar alguns pontos relevantes sobre o sucesso do jogo. O especial em Baldur’s Gate 3 não é a premissa nem as missões, mas as possibilidades que o jogo te permite ao interagir com as coisas. Seja durante o combate, durante a exploração ou interagindo com NPCs, as possibilidades são tantas, que mesmo você não sendo capaz de fazer tudo aquilo que imagina, existem oportunidades suficientes para exercer sua criatividade que em muitos momentos te fazem sentir estar jogando um RPG de mesa. Um jogo que desperta sentimentos em quem experimenta “Eu amo de mais esse jogo, podia ficar o dia todo babando ovo dele” - Ressalta Junin durante a sua explicação. Ainda arrisco dizer que, não só a quantidade de coisas a se fazer cativou os jogadores, mas também o carinho empregado em cada parte do jogo. Todos os diálogos, missões secundárias, mapas e itens. Tudo dentro de Baldur’s Gate III exala carinho e dedicação, um exemplo lindo para a indústria de desenvolvimento de games.
Apesar de estar falando sem parar sobre como os jogos de RPG são divertidos, ainda se trata de uma questão de gosto pessoal. Nem todos vão sentir vontade de jogar logo de cara, Decade comenta “Eu nunca gostei muito do gênero de RPG, e confesso que tinha um certo preconceito com jogos com combate por turno. Apesar disso, Baldur’s Gate III conseguiu me conquistar e surpreender em todos os sentidos.” Como eu gosto de dizer, esse jogo tem o molho…
Nas palavras de Decade: “Cara, a gente tava tentando entrar em uma ruína, o Junin foi pelos fundos, achou uma porta, arrombou e entrou por ela. Eu fui pela frente, encontrei dois carinhas protegendo a porta, quando eu fui bater neles o chão quebrou e eu cai no mesmo lugar que o Junin, mas eu ainda podia ter ido pelo outro lado ou ter conversado com os caras pra eles saírem do caminho antes de passar. Na primeira vez que a gente jogou, não sabíamos de nada, deixamos muita coisa passar.”
“Esse arrombado vendeu um monte de itens importantes pra missões! Inclusive uma espada lendária, porque ele não leu o nome!” Grita Junin eufórico e depois completa
“Depois a gente não conseguia achar o comerciante pra quem ele vendeu os itens pra comprar de volta, mas mesmo assim a gente conseguiu prosseguir no jogo, só que de outros jeitos. Eu fico embasbacado com tudo que da pra fazer, eu continuo jogando e ainda tem coisas que eu não experimentei fazer.” (Ele estava com o jogo aberto enquanto me dava essa entrevista)
As possibilidades que surgem das ramificações da história no jogo são inúmeras. Dito que pode chegar há 17mil ramificações de finais, dependendo das suas ações no decorrer da história, Baldur’s Gate III realmente é capaz de se consolidar como um marco na indústria dos games.

No jogo você pode convencer uma dupla de amigos que acabaram de perder o líder por um urso coruja a entrarem no ninho do monstro novamente e arriscarem a vida, pra no processo você poder se esgueirar e roubar o valioso ovo de urso coruja do ninho, enquanto os dois coitados são dilacerados pela criatura. Você pode convencer eles a irem embora, coitados, ou pode atear fogo nos dois, por que não né? Pode entrar na caverna e conversar com a criatura, sim você pode falar com animais, que fala que ela só está protegendo seu filhote. Você pode simplesmente matar a criatura e seu filhote... seu monstro. Ou você pode usar mão mágica pra tentar roubar o ovo sem que ela veja. E se você explorar melhor os arredores, vai descobrir uma toca pequena que leva pra parte de cima da caverna, onde fica mais fácil ainda roubar o ovo, ou... você pode simplesmente deixar o ovo pra lá né, que fixação com esse ovo, eu hein. Essas são apenas as possibilidades que eu pensei, provavelmente existem mais.
Você pode entrar em um acampamento goblin pela porta da frente convencendo-os de que você é um grande amigo da galera, você pode entrar na festa de fininho e derramar veneno no caldeirão em que os goblins estão bebendo, eles podem tentar te convencer a beber também e se você for azarado, pode morrer junto com eles. Pode se esgueirar por cima, onde os guardas estão bêbados demais para oferecer qualquer resistência, você pode sair matando geral, você pode ajudar uma goblin a fugir do acampamento de druidas e com isso ela te ajuda a entrar no acampamento de goblins, ou quem sabe até se aliar aos goblins e matar todo mundo que tá no acampamento dos druidas? Cada um com sua moralidade. Essa no caso é uma das quests principais do ato 1, e diferente dos objetivos mais opcionais que você mesmo acaba criando pelo caminho, como dedicar tempo demais na tentativa de roubar o ovo de um urso coruja ou assaltar a casa de uma bruxa da floresta (cuidado para não ser amaldiçoado). O acampamento de goblins não pode ser evitado, pelo menos eu acho que não? Pensando bem, acho que você pode só ir embora, mas enfim. A quantidade gigantesca de NPCs, todos com diálogos e animações próprias, que inclusive foram gravados com captura de movimento (esse jogo é insano), trazem uma variedade tão grande de histórias e ideias que transformam mesmo as quests mais guiadas em momentos únicos para cada jogador. Que tal tocar uma música para animar todos os seus novos amigos goblins enquanto você faz a limpa no acampamento com o ladrão? Ou quem sabe chamar 3 ogros, que você de alguma forma convenceu a te ajudarem, para arrebentar todo mundo na porrada? Ou que tal dar um empurrãozinho no goblin na beira de um precipício? Pode parecer meio bobo, mas essas possibilidades, às vezes meio idiotas ou meio sem sentido é o que fazem de RPGs de mesa tão especiais. E elas fazem parte do DNA de Baldur’s Gate 3 também.

Os sistemas em Baldur’s Gate 3 permitem essa criatividade, as ferramentas necessárias para os jogadores exercerem sua criatividade estão aqui, mesmo que algo possa quebrar o jogo, mais especificamente essas habilidades: saltar, empurrar, arremessar, esconder-se, arma corpo a corpo improvisada e impregnar arma. Todas essas são habilidades comuns de todos os personagens, e enquanto elas podem parecer meio sem utilidades, elas trazem esse leque de possibilidades que com o tempo você começa a agradecer por elas existirem. Quer mais um exemplo? Você pode pegar um goblin e arremessar em outro goblin. Como não amar?
Os sistemas que constituem Baldur’s Gate 3 são praticamente os mesmos de D&D. As características dos personagens, perícias, atributos, magias, e até a rolagem de dados. Pode parecer um pouco desnecessário seguir tão fielmente esses sistemas, afinal são jogos em mídias totalmente diferentes, mas eu sinto que por serem sistemas abertos, incentivando a interpretação dos jogadores, acaba ajudando mais do que limitando o time da Larian.
Dados ainda são rolados, mas apenas quando eles fazem sentido. Mais do que encontrar aquela espada +2 encantada, D&D, e consequentemente Baldur’s Gate 3, é sobre momentos meio inúteis. É um jogo sobre rolar percepção, escalar uma rede, se jogar em uma estrutura suspeita que talvez te leve a morte, pra encontrar um colar escondido, e ao pegar, descobrir que é só um colar de ouro comum. Não é sobre a recompensa, mas sobre o caminho para chegar até ela.
Essa rolagem de percepção é feita automaticamente no jogo digital, eu chamo de rolagem de dado passiva, ela acontece sempre que você vai atacar alguém, precisa passar por algum teste de percepção, sobrevivência, investigação, etc, ou quando precisa executar algum teste de resistência. Mas existem também as rolagens ativas, quando você tenta enganar algum NPC por exemplo, o dado aparece na tela, trazendo aquela antecipação, aquela ansiedade pelo melhor resultado possível ao rolar.
Você tem que lidar com a situação complicada que se meteu depois de rolar um erro crítico... Ou só voltar o save, mas Baldur’s Gate 3 é um ótimo jogo para exercitar o desapego, justamente por trazer tantas possibilidades criativas para você sair de enrascadas que você mesmo se meteu.
Sinto que esse jogo consegue passar alguns dos sentimentos de quando jogo RPG de mesa com meus amigos, especialmente quando estou jogando ele em modo cooperativo.
O que se perde ao transformar um RPG de mesa em digital é o infinito da imaginação e a pessoalidade dos momentos que dividimos durante as sessões, mas o que se ganha é a concretização das possibilidades, é poder conhecer um mundo bem realizado por alguém, que mesmo limitado, ainda permite expressar sua criatividade.
Baldur’s Gate 3 é como uma janela para um universo da imaginação, você não consegue ir até lá pessoalmente e interagir com o que bem entender da forma que quiser, mas é um mundo tão bem realizado que mesmo olhando de fora, é impossível não se sentir parte de uma grande aventura.
As polêmicas da indústria dos vídeo jogos
Acredito que olhando do futuro para o passado, a partir desse ano as pessoas irão se referir a indústria pelo marcado período “Pré ou Pós Baldur’s Gate III”. O impacto do lançamento de um jogo tão complexo por uma equipe tão pequena e nichada fez com que desenvolvedores de todas as partes do mundo, de dentro de empresas milionárias e já consolidadas no mercado darem piti na internet.
Tudo começou quando Xalavier Nelson Jr., chefe do estúdio Strange New Things, fez uma postagem dizendo que Baldur's Gate III se diferencia da maioria dos RPGs atuais por vários motivos:
Longo ciclo de desenvolvimento desde 2017, aproximadamente 6 anos.
Dois jogos anteriores, Baldur's Gate e Baldur's Gate II, que serviram como base tecnológica e de conhecimento.
Bem sucedido período de acesso antecipado com duração de 3 anos, que forneceu feedback da comunidade para correção de bugs e gerou grande fluxo de caixa.
Equipe de mais de 400 desenvolvedores em 7 escritórios.
Licença para usar o universo de Dungeons & Dragons, um dos maiores IPs de entretenimento.
No final, ele diz que Baldur's Gate III não representa uma nova linha de base para RPGs, pois é uma anomalia da indústria.
Não sei se é necessário mas vou ressaltar mesmo assim. Esse discurso é uma vergonha para toda indústria de jogos e todos os desenvolvedores que concordaram e apoiaram essas palavras não estão pensando nos seus jogos ou comunidades com o devido respeito.
A Larian não deve mais ser considerada um estúdio iniciante que só cria jogos indie. Tem anos de mercado e muita experiência nas mãos, mas não chega nem aos pés dos gigantes da indústria de jogos. No inicio da criação de Baldur’s Gate, tinham uma franquia e um sonho, chegaram a quase falir duas vezes e entregaram, ainda sim, um dos, se não o melhor jogo de RPG da ultima década.
Infelizmente a decadência da indústria de videogames está cada vez mais evidente, jogos sendo lançados incompletos, cheios de erros ou com promessas não cumpridas durante o seu desenvolvimento vem se tornando o padrão dos últimos anos. Talvez… Não, com certeza isso fez com que o lançamento de Baldur’s Gate III fizesse tanto barulho na indústria.
As empresas e os desenvolvedores estão cada vez mais com a visão voltada para a maximização dos lucros em vez da criação de jogos divertidos. Parece bobo falar assim, claro que as empresas precisam de dinheiro para sobreviver e crescer. Mas não justifica lançar jogos mentirosos ou incompletos para o publico consumidor e Baldur’s Gate, assim como alguns outros títulos, como Elden Ring provam isso.

Aviso: O texto a seguir contém ironia!
Este é Chris Balser, design Sênior de Diablo IV. Um jogo com mais de 20 anos de história, de um estúdio gigantesco com mais de 9.000 funcionários em toda empresa. Então você está dizendo que não teve jogos anteriores e muitos anos de experiência? E que os consumidores não devem esperar que irão mantê-lo no mesmo padrão? Como alguém com a posição de Sênior, esperava que você ajudasse a empurrar a barra de qualidade para a que estão definindo em vez de apenas dar desculpa dos fracassos que estão por vir. Bem, ninguém deve esperar que uma empresa pequena como a Blizzard seja capaz de competir com a Larian, não é mesmo!?

Esse é Nic Tringali, um desenvolvedor independente que comenta o caso. Gostaria de dizer que concordo com a opinião dele no quesito a jogos independentes e até mesmo os de grandes empresas. A questão discutida não se trata de escopo, mas de carinho. Também não se trata de uma regra geral, mas sim, de cutucar as grandes empresas. Claramente os desenvolvedores indies por muitas vezes não podem criar um jogo com uma estrutura tão complexa ou com tanto polimento, pois precisam da renda da venda dos jogos para continuar o desenvolvimento.
Porém, para estúdios do escopo da Blizzard, Insomniac, Bethesda, dentre outras empresas de renome na indústria. Não faz sentido o discurso de “Baldur’s Gate III é atípico, não esperem jogos de qualidade!”
Nem tudo precisa ser medieval
Quando falamos em RPG a maioria das pessoas assimila o gênero a um mundo aberto medieval, mas não precisa ser sempre assim. Temos jogos de RPG e sistemas de todos os tipos e nichos imagináveis.
Uma das tendências recentes que mais tem feito sucesso é o GTA RP, uma forma totalmente nova de se experenciar o clássico Grand Theft Auto V. O GTA RP consiste em servidores multiplayer focados em roleplay, onde os jogadores assumem personagens completos, com backstories, motivações e complexas interações em um mundo virtual altamente imersivo. Já pensou em ser um taxista do mundo de GTA? Ou quem sabe um mecânico? Bombeiro? Policial? Ou ladrão?
Nos servidores de GTA RP é possível. Existem algumas regras para manter o Role Play e evitar o caos durante o jogo, se seguir elas direitinho, pode descobrir um mundo totalmente novo dentro de um jogo lançado a mais de 10 anos atrás.
Diferente do GTA convencional, o foco não é cometendo crimes e causando destruição. No GTA RP, os jogadores colaboram entre si para criar narrativas envolventes, participando de profissões, negócios, atividades cotidianas e eventos exclusivos de cada servidor. É como entrar em uma gigantesca série interativa, vivendo uma segunda vida virtual.
Com dezenas ou até centenas de jogadores interagindo ao mesmo tempo, os servidores se transformam em cidades vibrantes, repletas de possibilidades. Você pode ser desde um simples lenhador até um poderoso chefão do crime, um policial honesto ou um magnata de negócios. As opções são limitadas apenas pelo tipo de servidor e as pessoas que estão jogando.
Holy shit it's a role-playing game?
Além do conhecido GTA RP, também existem servidores de Role Play para diversos outros jogos. Basicamente, se o jogo permite juntar um numero grande de jogadores por partida, pode apostar que vai haver uma comunidade focada em RP.
Existem servidores de role play de Minecraft, de Amongus, VR Chat, Roblox, Fortnite. Dentre outros diversos jogos, todos com seu universo e comunidades próprias, nenhum deles projetado para ser um RPG. Mas então, o que tem de tão especial em tornar esses jogos um RPG? Porque não só jogar um jogo do gênero de RPG?
Acredito que a resposta para essa pergunta está no senso de proximidade que essas comunidades conseguem transmitir. A solidão é uma sensação com a qual muitos de nós estamos intimamente familiarizados. Ela pode surgir mesmo quando estamos cercados de outras pessoas, seja na escola, no trabalho ou em casa. Sentimos que não pertencemos, que somos invisíveis e desconectados dos outros.
Felizmente, há um antídoto poderoso contra esse sentimento: os jogos online. Quando entramos num game multiplayer, mergulhamos em um universo povoado por outros jogadores reais. Cada um por trás de seu avatar, espalhados pelo mundo, mas compartilhando de uma experiência comum através daquele jogo. Apesar de ainda estarmos fisicamente sozinhos, estamos todos virtualmente conectados.
As possibilidades de interação são infinitas. Podemos cooperar em missões, competir em equipes, conversar casualmente ou travando amizades profundas. É claro que nem tudo são flores. Há momentos de raiva e frustração, pessoas tóxicas querendo estragar a experiência alheia. Mas isso faz parte da complexidade das relações humanas. Aprendemos a lidar com essas situações e que elas não representam a maioria.
O que importa é que sempre há alguém do nosso lado nesses jogos. Mesmo que não interajamos diretamente, saber que existem outros jogadores por perto já traz certo conforto. Não estamos sozinhos naquela aventura, fazemos parte de uma comunidade. Isso por si só já alivia o peso da solidão.
Cada encontro online é uma oportunidade. Uma chance de conversar com alguém de outro continente em outro idioma. Ou de construir uma amizade duradoura, quem sabe até encontrando pessoalmente um dia.
Então, na próxima vez que o sentimento de solidão bater, lembre-se que você não está sozinho. Há um universo inteiro de jogadores lá fora esperando para embarcar com você nessa jornada. Basta dar uma chance. Aperte start, encontre seu grupo e divirta-se. Lutando monstros, ganhando campeonatos ou apenas conversando sobre a vida. A cura para solidão está a um login de distância.
Uma carta no presente do passado ao futuro
Você já parou pra pensar em como seria a sua vida daqui a 10 anos? Está trilhando o caminho que acha correto? A verdade é que não temos como saber como será o futuro, cada decisão que tomamos é rodeada por incerteza, as duvidas permeiam a mente enquanto buscamos respostas para guiar a um futuro do qual não vamos nos arrepender.
Mais do que pensar na própria vida, penso muito em como serão os jogos no futuro, não só em como serão, mas em quanto tempo vai levar para serem aquilo que imaginamos. Por esse motivo, vou deixar minhas previsões descritas nesse texto. Sobre o que imagino para o gênero de jogos de RPG no futuro.
Imagino que com a chegada e popularização das inteligências artificiais generativas, como o próprio GPT. A inteligência artificial pode ser usada para criar narrativas e mundos de jogo mais ricos e complexos. Por meio de modelos generativos, o mestre ou o sistema do jogo poderá gerar descrições detalhadas de cenários, NPCs complexos com backstories coerentes, diálogos naturais e enredos envolventes de forma automatizada. Isso permite que as sessões de RPG sejam mais imersivas e envolventes. Também facilita e barateia os processos de produção de um jogo massivo em conteúdo ou qualidade.

A mão de Deus (artificial)
Outra tecnologia que vem se popularizando com o tempo e parece ser relevante para o futuro dos jogos em geral é a realidade virtual, ela abre novas possibilidades para a imersão. Com ambientes gerados por computador e uso de óculos VR, os jogadores poderão literalmente "entrar" no mundo do jogo e interagir de forma muito mais realista. Desde explorar masmorras e cidades, até conversar face a face com NPCs. Isso aproxima a experiência dos RPGs virtuais da experiência tradicional de mesa.
Essas inovações têm o potencial de expandir drasticamente o público interessado em RPGs. A imersão aprimorada e barreiras reduzidas de entrada atrairão pessoas que buscam experiências mais envolventes. E formatos rápidos ou casuais podem popularizar o gênero.
Em resumo, as tecnologias emergentes transformarão fundamentalmente os RPGs nas próximas décadas. Teremos experiências mais imersivas, envolventes e personalizadas do que nunca. Isso abre um mundo de possibilidades criativas e deverá elevar o RPG a novos patamares de popularidade como forma de entretenimento.
Acredito que todo o futuro é incerto e cheio de possibilidades. Sem dúvida, essas novas tecnologias e inovações têm potencial para levar os RPGs a novos patamares, tanto em termos de produção quanto experiência para os jogadores. No entanto, o coração dos RPGs sempre será a imaginação humana e as conexões que criamos uns com os outros. Por mais imersiva que a tecnologia se torne, ela jamais substituirá completamente o fator humano que torna os RPGs tão especiais.
No final, são as amizades, criatividade compartilhada e narrativas únicas geradas por mentes apaixonadas que darão vida a qualquer jogo. Esses momentos de união em torno de histórias é o que nos faz continuar voltando a esse hobby mágico chamado RPG, seja em uma mesa com amigos ou sozinho diante de uma tela.
E assim, olhando para as possibilidades futuras com esperança e um pé no chão, termino essa carta. Com uma certeza: os RPGs têm um futuro brilhante pela frente!